segunda-feira, junho 04, 2007

Chega a ser irritante a maneira e, mais irritante ainda, a velocidade que as coisas flutuam e pendulam. Em um momento, tudo se encaixa e vejo um prognóstico bom. Mas aí, passa um fim de semana e não tenho mais certeza de nada, como se aquela imagem montada e ideal fosse picotada e transformada num enorme quebra-cabeças onde muitas peças estão por faltar. E como isso incomoda.
Acabo, então, por ficar enfurnado numa série de perguntas de dicionário, sem saber por onde começar e nem por onde terminar. As imagens ficam incertas, embaçadas, até duplicadas, triplicadas, quadruplicadas, como facas de dois, três ou quatro gumes. Eu não sei bem o que dizer nem o que fazer. Fico com medo dessas imagens, mas tem vezes que eu fico feliz por tê-las. A perspectiva muda muito rápido, por influência de um sopro meu de sabe-se lá o que. Aí eu mergulho minha cabeça em mundos que não são o meu.

"Já reparou que a esta hora da noite e a este nível do álcool o corpo se começa a emancipar de nós, a recusar-se a acender o cigarro, a segurar o copo numa incerteza tacteante, a vaguear dentro da roupa oscilações de gelatina? O encanto dos bares, não é?, consiste em, a partir das duas da manhã, não ser a alma a libertar-se do seu invólucro terrestre e a seguir verticalmente para o céu no esvoaçar místico de cortinas brancas das mortes do missal, mas a carne que se livra, um pouco espantada, do espírito, e inicia uma dança pastosa de estátua de cera que se funde até terminar nas lágrimas de remorso da aurora, quando a primeira luz oblíqua nos revela, com implacabilidade radioscópica, o triste esqueleto da solidão sem remédio."

Trecho (Capítulo F, primeiro parágrafo) do livro Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes.

*Dream Theater - Eve*

Noite Adentro.

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